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A Reforma Tributária e o Imposto Seletivo

  • Foto do escritor: Redação
    Redação
  • 16 de out.
  • 3 min de leitura
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Por Márcio Holland - Professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação

Getulio Vargas (FGV-Eesp) e coordenador de Programas de Pós-Graduação lato

sensu


A aprovação da reforma tributária sobre o consumo deve ser celebrada e sua

implementação deve ser promovida com destaque nos próximos governos. A

agenda de reformas estruturais não pode ter volta. Não se pode, contudo,

perder essa oportunidade apequenando a proposta do imposto seletivo. De

fato, não é tarefa fácil definir quais bens e serviços são prejudiciais à saúde e

ao meio ambiente. Muito menos é dado como certo que a tributação em si seria

o único instrumento capaz de desestimular o consumo destes produtos.


A boa notícia é que o Brasil tem uma série de dados que permitem um amplo

diagnóstico e subsidiam as melhores escolhas de políticas públicas. E o

desenho dessa nova tributação deve se beneficiar desta virtude e se basear,

predominantemente, no princípio da extrafiscalidade - se afastando do conceito

de um imposto meramente arrecadatório.


Vejamos o exemplo do açúcar no Brasil. Visando desincentivar o consumo, o

Imposto Seletivo se limitou apenas de bebidas que contêm açúcar apenas em

dois tipos: os refrigerantes açucarados e os refrescos açucarados - que

representam somente 1,3% da ingestão calórica média do brasileiro. O açúcar

propriamente dito, que responde por 5,8% da ingestão calórica nacional, foi

incluído na Cesta Nacional de Alimentos e, com isso, terá alíquotas da CBS

(Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IBS (Imposto sobre Bens e

Serviços) reduzidas a zero. Ou seja, se adicionarmos água ao açúcar, haverá

punição tributária; mas o consumo abundante de açúcares em diversos

alimentos não causa, aparentemente, problemas à saúde.


Segundo as últimas edições da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do

IBGE, o consumo de refrigerantes, por exemplo, vem caindo de forma

consistente há mais de uma década no Brasil. Em contrapartida, o dos demais

bens prejudiciais à saúde se mantêm ou vêm crescendo. No mesmo período, a

prevalência da obesidade e do sobrepeso aumentou, como registrado nas duas

últimas edições da Pesquisa Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) é clara ao afirmar que a obesidade

resulta de um desequilíbrio entre ingestão e gasto calórico. Não é um único

produto que causa obesidade, mas uma combinação de diferentes fatores:

consumo excessivo de alimentos ricos em carboidratos, gordura saturada,

sódio e açúcares, além do estilo de vida, do padrão e formato de trabalho, da

insuficiência de práticas esportivas, de aspectos socioculturais e psicossociais,

entre outros.


Falar de tributação exige fazer contas para mitigar riscos de distorções de

mercado. No Brasil, os refrigerantes já estão sujeitos a elevada tributação, e o

sistema tributário nacional já conta com seletividade para esse caso. Com a

reforma, a carga tributária do setor deve subir cerca de 1,1%, caso a alíquota

do IVA (CBS + IBS) chegue a 26,5%. Ao mesmo tempo, bebidas substitutas

(sucos de frutas, por exemplo) devem ter redução relevante da carga tributária,

ampliando ainda mais a diferença de tratamento (seletividade). Ou seja, a

adoção de um imposto seletivo adicional aos novos tributos deve implicar em

majoração na carga tributária atual.


Ao analisar dados de preços e consumo de bebidas não alcoólicas — como

refrigerantes e sucos de frutas naturais —, com metodologias econométricas

internacionalmente reconhecidas, não se observa efeito de substituição

relevante. Tecnicamente, a elasticidade de substituição entre refrigerantes e

sucos naturais não é estatisticamente diferente de zero. Assim, não é esperado

que o aumento de carga tributária sobre refrigerantes impulsione a demanda

por sucos naturais, mas apenas eleva o peso da tributação sobre um produto

consumido, comprometendo ainda mais a renda das famílias mais pobres. A

propósito, dados da POF indicam que, entre essas famílias, o refrigerante

representa apenas 0,69% da ingestão calórica diária. Ou seja, o que alguns

chamam de seletividade pode ser lido como regressividade tributária.


A prevalência da obesidade e o crescimento das DCNTs são, de fato, graves

problemas de saúde pública. Exigem diagnósticos precisos e soluções efetivas.

A construção de um caminho mais saudável para a sociedade depende do uso

de dados, de evidências sólidas e da formulação de políticas sustentáveis.

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